sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Querido, adjetivo. Da ironia ao eufemismo.



Renata da Silva Pinto

No país do jeitinho, muitas vezes, não podemos nos expressar como pensamos. Fica mal! O brasileiro é aquele que diz o que não quer dizer. “Amanhã, te telefono com certeza!”, mas o bendito telefone não toca de jeito nenhum, e ao ser indagado, o sujeito inventa mil desculpas. “Sabe, meu telefone estragou.”, “Fiquei sem bateria”, “Meu cachorro comeu meu telefone.”. Talvez, essa situação fosse menos constrangedora, se a criatura desde o início expressasse a verdade: “Olha, não estou a fim de ligar, e não vou ligar.”. Muitos iriam pensar: “Que grosseria”, mas o que é melhor, ser grosseiro ou mentiroso? (Perguntinha difícil, hein?).
Nós, brasileiros, conseguimos nos expressar muito bem através de ironias. “Nossa, Maria, você hoje arrasou com essa mini-saia.”, e lá, vai a Maria com suas banhas se apertando dentro da minúscula saia. “João, você se comportou muito bem na festa!”, e, lá vai João, bêbado, com as calças urinadas, a braguilha aberta e a chave do carro na mão. Tudo isso para evitar o confronto, só para não dizer: “Maria, você está ridícula com essa saia, parece uma pamonha.”, “João, toma vergonha seu pinguço, você foi inconveniente na festa, urinou no pé do pai do noivo e não vai dirigir neste estado, seu irresponsável.”. Quem sabe com a verdade, a Maria não vestiria algo mais adequado e o João procurasse o AA. Mas, preferimos a ironia à verdade, mesmo que o interlocutor não compreenda o trocadilho e continue na ignorância, pois na nossa cultura, a ignorância é uma bênção.
Outro recurso deliciosamente usado é o eufemismo, não que ele não seja útil, em muitos casos é imprescindível. Por exemplo, imagine que uma pessoa com deficiência física queira pegar o ônibus, mas o motorista distraído não se apercebesse desse fato, então um bom samaritano gritasse: “Ô piloto, abre a porta para o aleijado entrar!”, falando dessa forma, toda a boa ação iria pelo ralo. Contudo, o eufemismo no Brasil, passou a mascarar nossa falta de coragem de dizer a tão maldita verdade. Imagine outra situação: Antônio é um sujeito que deu um golpe no amigo, quando confrontado ouve o seguinte discurso: “Poxa, Antônio, você faltou  com a verdade, agiu de má fé.”, certamente, após tal repreenda, Antônio vai achar que se safou e que seu amigo continua sendo um “Mané”. Existem outros exemplos de eufemismos sem-vergonhas: mulher da vida, foi desta para melhor, mal de Lázaro, fofinha... Mas, o pior deles, com certeza, é aquele que faz discriminação, Por que pobre é maconheiro e rico é usuário, se ambos gostam da erva? Vai saber!!!
Indubitavelmente, o mais gritante de nossa covardia foi transformar um adjetivo tão bonitinho em ironia e logo depois, elevá-lo a categoria de eufemismo. Quantas cartinhas não começaram com “Querido papai Noel...”, “Querida vovó...”, mas, o querido de outrora não é mais tão afetivo. Agora, ele é usado na ironia: “Meu querido, já disse que não quero assinar revista droga nenhuma, e não me ligue mais.”, “Querida, pode me atender? Estou há mais de 4 horas nessa fila!”, “Meu querido, perdeu!”
Todavia, a ironia era pouco para o adjetivo querido, tanto que ele passou a ser eufemismo de filho da p.: “Querida, vai para o inferno!”, “Queridinho, desliga o celular, pois está atrapalhando a aula.”, “Você é um querido!”. Lamentável!
Logo, em um país onde ser direto é mal. Ficamos lendo as entrelinhas tentando descobrir o quanto somos queridos, de preferência sem eufemismos e ironias.



Obs: Querido, se você ainda não entendeu o que é ironia e Eufemismo, tem um resuminho no final para você!!!!!



IRONIA: é a figura pela qual dizemos o contrário do que pensamos, quase sempre com intenção sarcástica.  
Ex: Vejam meus altos feitos. ( roubei os bens do país)  
EUFEMISMO: consiste em suavizar a expressão de uma idéia molesta, substituindo em termo exato por palavras ou termos menos desagradáveis ou mais delicados.
 Ex: Rômulo foi desta para melhor. (morreu)  

Um comentário:

  1. Amei sua crônica. Vai ser bem útil em minhas aulas sobre o gênero, sobre figuras de linguagem e paradiveretir meus alunos e fazê-los refletir sobre seus conceitos.

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