segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Cantigas infantis: Politicamente incorretas!




Depois que virei mãe, fiquei muito mais preocupada com as coisas que consumo em minha casa. Não só com relação à alimentação, mas também com o consumo cultural. Minha filha está com quase um ano, nesta fase que colocamos músicas para ela ouvir, e é muito gratificante ver o sorriso em seu rostinho e o corpinho se mexendo no ritmo da melodia.
É lógico que não vou colocar o créu para ela, até porque não é algo que eu ache aconselhável nem para adultos quanto mais para crianças. Mas, não é só com as letras do funk que venho me preocupando...  Algumas cantigas de roda vêm me tirando o sono, aliás, sempre me tiraram. Uma delas é a canção de ninar do tal do Boi da cara preta. Que criança vai dormir sossegada sabendo que um boi da cara preta vai pegá-la? “Boi, boi, boi, /Boi da cara preta./ Pega este menino/Que tem medo de careta.” Ainda dizem que é um acalanto, para quem não sabe acalanto são canções cantadas à noite pelas mães para embalarem seus filhos e são geralmente muito suaves. Se boi da cara preta é um acalanto, Bin Laden é um anjo.
Não são só as cantigas de ninar que me assustam, cantiga de roda também. Por exemplo, em Samba Lelê, é  mostrada a crueldade sofrida por uma menina, provavelmente uma escrava: “Samba Lelê está doente/Está com a cabeça quebrada/Samba Lelê precisava/De umas dezoito lambadas/Samba , samba, Samba ô Lelê/Pisa na barra da saia ô Lalá (BIS)”. A pobrezinha está com a cabeça quebrada e ainda vai apanhar? Sádico demais!
Outra música politicamente incorreta é: O cravo e a Rosa: “O cravo brigou com a rosa,/Debaixo de uma sacada,/O cravo saiu ferido,/E a rosa despedaçada/O cravo ficou doente,/A rosa foi visitar,/O cravo teve um desmaio,/E a rosa pôs-se a chorar.” Essa música cantada nos dias de hoje, esbarraria na lei Maria da Penha.  Com certeza, o cravo iria para prisão e haveria uma medida cautelar impedindo o Cravo de se aproximar da Rosa. E sinceramente, não dá para entender a Rosa, depois de apanhar ainda vai visitar o Cravo? Fala sério!!!
E Pai Francisco, “Pai Francisco entrou na roda/Tocando o seu violão/Bi–rim-bão bão bão, Bi–rim-bão bão bão !/Vem de lá Seu Delegado/E Pai Francisco foi pra prisão./Como ele vem todo requebrado/ Parece um boneco desengonçado.” O pobre do Francisco foi preso por tocar um simples violão. Isso era comum antigamente, pois o violão era considerado um instrumento de boêmios e vagabundos, então quem tocava tal instrumento era condenado por vagabundagem. O pior da música nem é isso, mas sim que Pai Francisco sofreu agressão por parte dos policiais.
Não posso esquecer a violência contra os animais, tão bem caracterizada na famosa  Atirei o pau no gato: “Atirei o pau no gato tô to/Mas o gato tô to/Não morreu reu reu/Dona Chica cá/Admirou-se se/Do berro, do berro que o gato deu/Miau !!!!!!” O cara dá uma paulada no gato e ainda se admira pelo gato estar vivo, e a dona Chica ainda é conivente com  a maldade. Hoje, alguns educadores ensinam essa música de forma diferente para as crianças: “Não atire o pau no gato (to-to)/Porque isso (so-so)/Não se faz (faz-faz)/Ô gatinho (nho-nho)/ É nosso amigo (go)/Não devemos maltratar/Os Animais/Miau!!!” Melhorou bastante.
 E as tragédias amorosas? Pirulito que bate bate é uma musiquinha triste: “Pirulito que bate bate/Pirulito que já bateu/Quem gosta de mim é ela/Quem gosta dela sou eu/Pirulito que bate bate/Pirulito que já bateu/A menina que eu gostava/Não gostava como eu” e Ciranda  cirandinha: “Ciranda , cirandinha, /Vamos todos cirandar, Vamos dar a meia volta,/Volta e meia vamos dar./O anel que tu me destes,/Era vidro e se quebrou./O amor que tu me tinhas/era pouco e se acabou.” Só desilusões amorosas. Tão cedo a criança aprende que o amor pode acabar mal, seria melhor deixá-la descobrir isso na adolescência!
Outra música complicada é A canoa virou, A canoa virou/Por deixá-la virar/
por causa de ____ (o nome de uma criança da roda) /que não soube navegar. /Se eu fosse um peixinho/E soubesse nadar/Eu tirava ____ (repete-se o nome da criança)
Das ondas do mar.”
Além de dedurarem quem virou a canoa, ficam olhando a pessoa se afogar e nada fazem!!!
Também, há preconceito racial nas letras, observe a letra de Fui à Espanha: “Fui à Espanha/buscar o meu chapéu./Ele é azul e branco,/da cor daquele céu./Olha a palma, palma, palma./Olha o pé, pé é pé./Olha a roda, roda, roda,/caranguejo peixe é./Caranguejo não é peixe./Caranguejo peixe é./Caranguejo só é peixe na enchente da maré./Samba crioula que veio da Bahia,/pega a criança/e joga na bacia./A bacia é de ouro/areada com sabão e depois de areada enxuga no roupão./O roupão é de seda,/camisinha de filó./Cada um pega seu par/e toma a benção da vovó." Samba Crioula, mal gosto, não acha?
 Finalmente, a morte... Olha a letra de Mariquinha morreu ontem: “Mariquinha morreu ontem,/Ontem mesmo enterrou./Na cova da Mariquinha/Nasceu um botão de flor! /Nasceu, nasceu!/Nasceu um botão de flor!” Sem palavras!!!
Sei que as cantigas de roda fazem parte de nosso folclore, mas é complicado ouvi-las no dia de hoje e dizer que são inofensivas. Sei que a violência já se banalizou no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Acordo muitas vezes ao som de balas de fuzis, pode ser longe da minha casa, mas ouço nitidamente, e não vou nunca achar isso normal. Assim, como não quero que minha filha ache normal bater em gatos, chamar as pessoas de crioulas e dar lambadas em alguém. Não quero,também, que ela só ouça músicas americanas traduzidas literalmente como é o caso de algumas músicas da Xuxa só para baixinhos.
Na escola, quando chega o mês do Folclore, trabalho as cantigas de roda numa perspectiva crítica com os alunos: conversamos sobre os conteúdos, vemos o que não é politicamente correto nas letras e analisamos o contexto social em que essas cantigas foram escritas. É um trabalho legal. Mas, como fazer isso com uma criança pequena?
Acho que é uma questão de bom senso. Primeiramente, devemos priorizar as letras positivas e bonitinhas de algumas músicas. Quando a criança começar a ouvir as outras, É necessário conversarmos com ela sobre o certo e o errado. Afinal, não devemos criar nossos filhos em uma redoma de vidro. Com isso, nós os ajudaremos a desenvolver o senso crítico e a cidadania.
Logo, acho que não vou dormir bem nunca, pois quando não é o boi da cara preta da música, vai ser o lobo mal e as bruxas das histórias... O universo infantil vai ser sempre perverso e politicamente incorreto, afinal, faz parte do que consumimos culturalmente durante séculos!



Olha aí o resuminho para você!!!




Folclore: entende-se por folclore o conjunto de crenças, lendas, festas, superstições, artes e costumes de um povo. Tal conjunto normalmente é passado de geração a geração por meio dos ensinamentos e da participação real dos festejos e dos costumes. De origem inglesa, o folclore é uma palavra originada pela junção das palavras folk, que significa povo; e lore, que significa sabedoria popular. Formou-se então a palavra folclore que quer dizer sabedoria do povo.
Cantigas de Roda: são um tipo de canção popular, que está diretamente relacionada com a brincadeira de roda. A prática é comum em todo o Brasil e faz parte do folclore brasileiro. Consiste em formar um grupo com várias crianças, dar as mãos e cantar uma música com características próprias, como melodia e ritmo equivalentes à cultura local, letras de fácil compreensão, temas referentes à realidade da criança ou ao seu universo imaginário e geralmente com coreografias. (http://www.infoescola.com/folclore/cantigas-de-roda/)
Cantiga de ninar: “O acalanto, canção ingênua, sobre uma melodia muito simples, com que as mães ninam seus filhos, é uma das formas mais rudimentares do canto, não raro com uma letra onomatopaica, de forma a favorecer a necessária monotonia, que leva a criança a adormecer. Forma muito primitiva, existe em toda parte e existiu em todos os tempos, sempre cheia de ternura, povoada às vezes de espectros de terror, que os nossos meninos devem afugentar dormindo. Vieram as nossas de Portugal, na sua maior parte, e vão passando por todos os berços do Brasil e vivem em perpétua tradição, de boca em boca, longe das influências que alteram os demais cantos”.
(Renato Almeida, História da Música Brasileira, 106).

Acalanto: “Canção para adormecer crianças. É palavra erudita, designando o ato de acalentar, de embalar. No seu sentido musical, equivalente, por exemplo, ao da palavra francesa berceuse e da inglesa lullaby, foi utilizada por extensão e pela primeira vez pelo compositor brasileiro Luciano Gallet. Popularmente, nossos acalantos são chamados cantigas de ninar”. (Oneyda Alvarenga, “Comentários a Alguns Cantos e Danças do Brasil”, Revista do Arquivo Municipal, LXXX, 209, S. Paulo).
Ciranda: é um tipo de dança e música de Pernambuco. É originada na região Nordeste mais precisamente em Itamaracá. Caracteriza-se pela formação de uma grande roda, geralmente nas praias ou praças, onde os integrantes dançam ao som de ritmo lento e repetido. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ciranda)



4 comentários:

  1. Ótimo site!
    Por favor, continue a postar, quero ler mais sobre o que você tem a dizer!

    Obrigado!

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  2. Pensei que era piada, mas depois comecei a perceber que você escreveu isso a sério mesmo! Coitadinha da sua filha. Quando crescer vai ser politicamente correta.

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