segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Cantigas infantis: Politicamente incorretas!




Depois que virei mãe, fiquei muito mais preocupada com as coisas que consumo em minha casa. Não só com relação à alimentação, mas também com o consumo cultural. Minha filha está com quase um ano, nesta fase que colocamos músicas para ela ouvir, e é muito gratificante ver o sorriso em seu rostinho e o corpinho se mexendo no ritmo da melodia.
É lógico que não vou colocar o créu para ela, até porque não é algo que eu ache aconselhável nem para adultos quanto mais para crianças. Mas, não é só com as letras do funk que venho me preocupando...  Algumas cantigas de roda vêm me tirando o sono, aliás, sempre me tiraram. Uma delas é a canção de ninar do tal do Boi da cara preta. Que criança vai dormir sossegada sabendo que um boi da cara preta vai pegá-la? “Boi, boi, boi, /Boi da cara preta./ Pega este menino/Que tem medo de careta.” Ainda dizem que é um acalanto, para quem não sabe acalanto são canções cantadas à noite pelas mães para embalarem seus filhos e são geralmente muito suaves. Se boi da cara preta é um acalanto, Bin Laden é um anjo.
Não são só as cantigas de ninar que me assustam, cantiga de roda também. Por exemplo, em Samba Lelê, é  mostrada a crueldade sofrida por uma menina, provavelmente uma escrava: “Samba Lelê está doente/Está com a cabeça quebrada/Samba Lelê precisava/De umas dezoito lambadas/Samba , samba, Samba ô Lelê/Pisa na barra da saia ô Lalá (BIS)”. A pobrezinha está com a cabeça quebrada e ainda vai apanhar? Sádico demais!
Outra música politicamente incorreta é: O cravo e a Rosa: “O cravo brigou com a rosa,/Debaixo de uma sacada,/O cravo saiu ferido,/E a rosa despedaçada/O cravo ficou doente,/A rosa foi visitar,/O cravo teve um desmaio,/E a rosa pôs-se a chorar.” Essa música cantada nos dias de hoje, esbarraria na lei Maria da Penha.  Com certeza, o cravo iria para prisão e haveria uma medida cautelar impedindo o Cravo de se aproximar da Rosa. E sinceramente, não dá para entender a Rosa, depois de apanhar ainda vai visitar o Cravo? Fala sério!!!
E Pai Francisco, “Pai Francisco entrou na roda/Tocando o seu violão/Bi–rim-bão bão bão, Bi–rim-bão bão bão !/Vem de lá Seu Delegado/E Pai Francisco foi pra prisão./Como ele vem todo requebrado/ Parece um boneco desengonçado.” O pobre do Francisco foi preso por tocar um simples violão. Isso era comum antigamente, pois o violão era considerado um instrumento de boêmios e vagabundos, então quem tocava tal instrumento era condenado por vagabundagem. O pior da música nem é isso, mas sim que Pai Francisco sofreu agressão por parte dos policiais.
Não posso esquecer a violência contra os animais, tão bem caracterizada na famosa  Atirei o pau no gato: “Atirei o pau no gato tô to/Mas o gato tô to/Não morreu reu reu/Dona Chica cá/Admirou-se se/Do berro, do berro que o gato deu/Miau !!!!!!” O cara dá uma paulada no gato e ainda se admira pelo gato estar vivo, e a dona Chica ainda é conivente com  a maldade. Hoje, alguns educadores ensinam essa música de forma diferente para as crianças: “Não atire o pau no gato (to-to)/Porque isso (so-so)/Não se faz (faz-faz)/Ô gatinho (nho-nho)/ É nosso amigo (go)/Não devemos maltratar/Os Animais/Miau!!!” Melhorou bastante.
 E as tragédias amorosas? Pirulito que bate bate é uma musiquinha triste: “Pirulito que bate bate/Pirulito que já bateu/Quem gosta de mim é ela/Quem gosta dela sou eu/Pirulito que bate bate/Pirulito que já bateu/A menina que eu gostava/Não gostava como eu” e Ciranda  cirandinha: “Ciranda , cirandinha, /Vamos todos cirandar, Vamos dar a meia volta,/Volta e meia vamos dar./O anel que tu me destes,/Era vidro e se quebrou./O amor que tu me tinhas/era pouco e se acabou.” Só desilusões amorosas. Tão cedo a criança aprende que o amor pode acabar mal, seria melhor deixá-la descobrir isso na adolescência!
Outra música complicada é A canoa virou, A canoa virou/Por deixá-la virar/
por causa de ____ (o nome de uma criança da roda) /que não soube navegar. /Se eu fosse um peixinho/E soubesse nadar/Eu tirava ____ (repete-se o nome da criança)
Das ondas do mar.”
Além de dedurarem quem virou a canoa, ficam olhando a pessoa se afogar e nada fazem!!!
Também, há preconceito racial nas letras, observe a letra de Fui à Espanha: “Fui à Espanha/buscar o meu chapéu./Ele é azul e branco,/da cor daquele céu./Olha a palma, palma, palma./Olha o pé, pé é pé./Olha a roda, roda, roda,/caranguejo peixe é./Caranguejo não é peixe./Caranguejo peixe é./Caranguejo só é peixe na enchente da maré./Samba crioula que veio da Bahia,/pega a criança/e joga na bacia./A bacia é de ouro/areada com sabão e depois de areada enxuga no roupão./O roupão é de seda,/camisinha de filó./Cada um pega seu par/e toma a benção da vovó." Samba Crioula, mal gosto, não acha?
 Finalmente, a morte... Olha a letra de Mariquinha morreu ontem: “Mariquinha morreu ontem,/Ontem mesmo enterrou./Na cova da Mariquinha/Nasceu um botão de flor! /Nasceu, nasceu!/Nasceu um botão de flor!” Sem palavras!!!
Sei que as cantigas de roda fazem parte de nosso folclore, mas é complicado ouvi-las no dia de hoje e dizer que são inofensivas. Sei que a violência já se banalizou no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. Acordo muitas vezes ao som de balas de fuzis, pode ser longe da minha casa, mas ouço nitidamente, e não vou nunca achar isso normal. Assim, como não quero que minha filha ache normal bater em gatos, chamar as pessoas de crioulas e dar lambadas em alguém. Não quero,também, que ela só ouça músicas americanas traduzidas literalmente como é o caso de algumas músicas da Xuxa só para baixinhos.
Na escola, quando chega o mês do Folclore, trabalho as cantigas de roda numa perspectiva crítica com os alunos: conversamos sobre os conteúdos, vemos o que não é politicamente correto nas letras e analisamos o contexto social em que essas cantigas foram escritas. É um trabalho legal. Mas, como fazer isso com uma criança pequena?
Acho que é uma questão de bom senso. Primeiramente, devemos priorizar as letras positivas e bonitinhas de algumas músicas. Quando a criança começar a ouvir as outras, É necessário conversarmos com ela sobre o certo e o errado. Afinal, não devemos criar nossos filhos em uma redoma de vidro. Com isso, nós os ajudaremos a desenvolver o senso crítico e a cidadania.
Logo, acho que não vou dormir bem nunca, pois quando não é o boi da cara preta da música, vai ser o lobo mal e as bruxas das histórias... O universo infantil vai ser sempre perverso e politicamente incorreto, afinal, faz parte do que consumimos culturalmente durante séculos!



Olha aí o resuminho para você!!!




Folclore: entende-se por folclore o conjunto de crenças, lendas, festas, superstições, artes e costumes de um povo. Tal conjunto normalmente é passado de geração a geração por meio dos ensinamentos e da participação real dos festejos e dos costumes. De origem inglesa, o folclore é uma palavra originada pela junção das palavras folk, que significa povo; e lore, que significa sabedoria popular. Formou-se então a palavra folclore que quer dizer sabedoria do povo.
Cantigas de Roda: são um tipo de canção popular, que está diretamente relacionada com a brincadeira de roda. A prática é comum em todo o Brasil e faz parte do folclore brasileiro. Consiste em formar um grupo com várias crianças, dar as mãos e cantar uma música com características próprias, como melodia e ritmo equivalentes à cultura local, letras de fácil compreensão, temas referentes à realidade da criança ou ao seu universo imaginário e geralmente com coreografias. (http://www.infoescola.com/folclore/cantigas-de-roda/)
Cantiga de ninar: “O acalanto, canção ingênua, sobre uma melodia muito simples, com que as mães ninam seus filhos, é uma das formas mais rudimentares do canto, não raro com uma letra onomatopaica, de forma a favorecer a necessária monotonia, que leva a criança a adormecer. Forma muito primitiva, existe em toda parte e existiu em todos os tempos, sempre cheia de ternura, povoada às vezes de espectros de terror, que os nossos meninos devem afugentar dormindo. Vieram as nossas de Portugal, na sua maior parte, e vão passando por todos os berços do Brasil e vivem em perpétua tradição, de boca em boca, longe das influências que alteram os demais cantos”.
(Renato Almeida, História da Música Brasileira, 106).

Acalanto: “Canção para adormecer crianças. É palavra erudita, designando o ato de acalentar, de embalar. No seu sentido musical, equivalente, por exemplo, ao da palavra francesa berceuse e da inglesa lullaby, foi utilizada por extensão e pela primeira vez pelo compositor brasileiro Luciano Gallet. Popularmente, nossos acalantos são chamados cantigas de ninar”. (Oneyda Alvarenga, “Comentários a Alguns Cantos e Danças do Brasil”, Revista do Arquivo Municipal, LXXX, 209, S. Paulo).
Ciranda: é um tipo de dança e música de Pernambuco. É originada na região Nordeste mais precisamente em Itamaracá. Caracteriza-se pela formação de uma grande roda, geralmente nas praias ou praças, onde os integrantes dançam ao som de ritmo lento e repetido. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Ciranda)



terça-feira, 24 de novembro de 2009

O sentido figurado na música brasileira – o sublime e o bizarro.





Renata da Silva Pinto

Antigamente, lembro-me de ligar o rádio e aguardar ansiosamente aquela música que me fazia suspirar ou delirar. Na década de oitenta, muitos de nós esperávamos horas até tocar na rádio aquela música tão adorada para gravarmos no toca-fitas, e depois ficávamos indo e voltando a tão surrada fita k-7 para copiar a tal preciosidade. O “maneiro” era ser o primeiro na escola a saber cantar toda a letra dos novos sucessos, foi assim comigo, com Faroeste Caboclo.
Hoje, na era digital, copiamos centenas de músicas da net, depois entramos no site WWW.vagalume.com.br e pronto, com uns “cliquezinhos” temos milhares de músicas e suas letras gravadas no nosso PC. Mas, quantidade não é qualidade, temos que aprender separar o brilhante do medíocre. Às vezes gostamos de uma música e não sabemos o porquê, talvez, porque tenha um bom ritmo ou o refrão é legal, porém, gostar não é suficiente: Devemos entender o que estamos cantando!
Aproveitando a facilidade da era digital em ter acesso às letras de músicas, vou falar de algumas que foram sucesso no nosso Brasil. Uma coisa que me fascina quando analiso uma canção é a capacidade do compositor em utilizar o sentido conotativo. Tentar entender a mensagem por trás do sentido figurado é estimulante, assim como observar as figuras de linguagens existentes em cada verso.
Nada como uma boa metáfora para tornar algo sem-graça em fantástico.  Por exemplo, alguém pode dizer que está triste e que quer chorar após uma separação, isso é normal e banal, mas quando ouvimos alguém dizer: “Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver/ forte eu sou, mas não tem jeito/ hoje tenho que chorar...”(Travessia, Milton Nascimento), algo nos faz despertar, e o blá-blá-blá de antes torna-se algo poético, bonito, plástico... Contudo, a metáfora também tem seu lado negro, muitos compositores a usam somente para fazer uma rima, isso muitas vezes faz com que a letra se torne algo absurdo, como é o caso de Morango do nordeste de Lairton e seus teclados, observe: “Apesar de colher as batatas da terra, com essa mulher, eu vou até pra guerra.”. Não entendi a referência batata/terra/guerra, mas o pior é que  parece que ele está chamando a mulher de canhão.
Outra figura muito interessante e muito utilizada na nossa música é a prosopopéia ou personificação. Na música De repente, Califórnia, de Lulu Santos, há um bom exemplo: “O vento beija meus cabelos/As ondas lambem minhas pernas/ O sol abraça o meu corpo/ Meu coração canta feliz...”. Sexy, não?  Outra prosopopéia belíssima é utilizada por Chico Buarque em Eu te amo: “Como, se na desordem do armário embutido/ Meu paletó enlaça o teu vestido/E o meu sapato inda pisa no teu...”. Mas, como tudo na vida, a prosopopéia pode ser ridícula às vezes, observe esse exemplo retirado na música O portão, de Roberto e Erasmo: “Eu cheguei em frente ao portão,/meu cachorro me sorriu latindo/ Minhas malas coloquei no chão,/eu voltei...”. (Muita gente teima dizendo que cachorro ri, não concordo. Mas, se você é dessa opinião, faça o seguinte teste: conte uma piada para seu cachorro, se ele rir, eu admito que estou errada). Outra prosopopéia estranha é da música Volta pra mim, do grupo Roupa Nova: “Amanheci sozinho/Na cama um vazio/Meu coração que se foi/Sem dizer se voltava depois/Sofrimento meu não vou agüentar...”. Será que o  cara morreu? Ou o coração dele foi tomar umas biritas e não deu satisfação a ele? Sei, lá... Bizarro.
Assim, como a metáfora, a comparação faz belas analogias, enriquecendo o conteúdo das composições. Listarei dois exemplos que acho interessantes: “Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol/ Quando você entrou em mim como um Sol no quintal...” (Divina Comédia Humana – Sumido Belchior). “Foi assim, como ver o mar/ A primeira vez que os meus olhos se viram no seu olhar...” (Todo azul do mar – 14 bis).  Agora, observe as comparações nesses dois exemplos e me diga se não são estranhas: “Virou minha cabeça/ E o coração/ Feito bola de sabão/ Me desmancho por você...”.(Bola de Sabão – Babado novo). “Que nem chiclete, que nem chiclete, que nem chiclete grudadinho em você/ que nem chiclete, que nem chiclete na sua boca derretendo de prazer...” (Que nem chiclete- Rick e Renner). Credo!
Para fechar esse tópico com chave de ouro, chegaram as Hipérboles, são incontáveis os exemplos de exagero na nossa música. Mas a música mais hiperbólica de todos os tempos é Exagerado, de cazuza. Em toda a letra há vários exemplos dessa figura:  “Amor da minha vida/ Daqui até a eternidade/ Nossos destinos foram traçados/ Na maternidade...”. “Eu nunca mais vou respirar/ Se você não me notar/ Eu posso até morrer de fome/ Se você não me amar...”. Outro bom exemplo de exagero é o do seguinte trecho da música Fico assim sem você, música de Adriana Calcanhoto, regravação de Claudinho e Buchecha: “Eu te quero a todo instante nem mil auto falantes/ vão poder falar por mim.”. Bonitinho, não é? Agora, como de costume, vamos à hipérbole bizarra: “Seu guarda eu não sou vagabundo eu não sou delinqüente/ Sou um cara carente/ Eu dormi na praça, pensando nela/ Seu guarda seja meu amigo me bata me prenda/ faça tudo comigo, mas não me deixe ficar sem ela.” (Dormi na praça – Rick e Renner). “Faça tudo comigo?”, o cara exagerou mesmo, está até assediando o guarda.
Da fita K-7 ao ipod, a nossa paixão pelas músicas transcendeu o tempo e se adequou às novas tecnologias. Músicas vão e vêm, e as figuras de linguagem sempre estarão presentes nos seus versos, o importante é termos a capacidade de compreendê-las, apreciando as geniais e se divertindo com as bizarras. Sem preconceito, afinal, gosto, cada um tem o seu.


Olha aí o famoso resuminho para você entender as figuras de linguagem usadas neste texto:




METÁFORA:  comparação mental ou característica comum entre dois seres ou fatos.  
_ O pavão é um arco- íris de plumas



PERSONIFICAÇÃO OU PROSOPOPÉIA: é a figura pela qual faremos seres inanimados ou irracionais agirem e sentirem como pessoas humanas.  
_ Os sinos chamam para o amor.  



COMPARAÇÂO: consiste em aproximar dois seres pela sua semelhança de modo que as características de uma sejam atribuídas a outro, utiliza-se de elementos comparativos (como, tal qual, igual a...).
 _ Lívia é linda como sua mãe.





HIPÉRBOLE: é uma afirmação exagerada. É uma deformação da verdade que visa a um efeito expressivo.  
_ Estava morto de sede.  



sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Querido, adjetivo. Da ironia ao eufemismo.



Renata da Silva Pinto

No país do jeitinho, muitas vezes, não podemos nos expressar como pensamos. Fica mal! O brasileiro é aquele que diz o que não quer dizer. “Amanhã, te telefono com certeza!”, mas o bendito telefone não toca de jeito nenhum, e ao ser indagado, o sujeito inventa mil desculpas. “Sabe, meu telefone estragou.”, “Fiquei sem bateria”, “Meu cachorro comeu meu telefone.”. Talvez, essa situação fosse menos constrangedora, se a criatura desde o início expressasse a verdade: “Olha, não estou a fim de ligar, e não vou ligar.”. Muitos iriam pensar: “Que grosseria”, mas o que é melhor, ser grosseiro ou mentiroso? (Perguntinha difícil, hein?).
Nós, brasileiros, conseguimos nos expressar muito bem através de ironias. “Nossa, Maria, você hoje arrasou com essa mini-saia.”, e lá, vai a Maria com suas banhas se apertando dentro da minúscula saia. “João, você se comportou muito bem na festa!”, e, lá vai João, bêbado, com as calças urinadas, a braguilha aberta e a chave do carro na mão. Tudo isso para evitar o confronto, só para não dizer: “Maria, você está ridícula com essa saia, parece uma pamonha.”, “João, toma vergonha seu pinguço, você foi inconveniente na festa, urinou no pé do pai do noivo e não vai dirigir neste estado, seu irresponsável.”. Quem sabe com a verdade, a Maria não vestiria algo mais adequado e o João procurasse o AA. Mas, preferimos a ironia à verdade, mesmo que o interlocutor não compreenda o trocadilho e continue na ignorância, pois na nossa cultura, a ignorância é uma bênção.
Outro recurso deliciosamente usado é o eufemismo, não que ele não seja útil, em muitos casos é imprescindível. Por exemplo, imagine que uma pessoa com deficiência física queira pegar o ônibus, mas o motorista distraído não se apercebesse desse fato, então um bom samaritano gritasse: “Ô piloto, abre a porta para o aleijado entrar!”, falando dessa forma, toda a boa ação iria pelo ralo. Contudo, o eufemismo no Brasil, passou a mascarar nossa falta de coragem de dizer a tão maldita verdade. Imagine outra situação: Antônio é um sujeito que deu um golpe no amigo, quando confrontado ouve o seguinte discurso: “Poxa, Antônio, você faltou  com a verdade, agiu de má fé.”, certamente, após tal repreenda, Antônio vai achar que se safou e que seu amigo continua sendo um “Mané”. Existem outros exemplos de eufemismos sem-vergonhas: mulher da vida, foi desta para melhor, mal de Lázaro, fofinha... Mas, o pior deles, com certeza, é aquele que faz discriminação, Por que pobre é maconheiro e rico é usuário, se ambos gostam da erva? Vai saber!!!
Indubitavelmente, o mais gritante de nossa covardia foi transformar um adjetivo tão bonitinho em ironia e logo depois, elevá-lo a categoria de eufemismo. Quantas cartinhas não começaram com “Querido papai Noel...”, “Querida vovó...”, mas, o querido de outrora não é mais tão afetivo. Agora, ele é usado na ironia: “Meu querido, já disse que não quero assinar revista droga nenhuma, e não me ligue mais.”, “Querida, pode me atender? Estou há mais de 4 horas nessa fila!”, “Meu querido, perdeu!”
Todavia, a ironia era pouco para o adjetivo querido, tanto que ele passou a ser eufemismo de filho da p.: “Querida, vai para o inferno!”, “Queridinho, desliga o celular, pois está atrapalhando a aula.”, “Você é um querido!”. Lamentável!
Logo, em um país onde ser direto é mal. Ficamos lendo as entrelinhas tentando descobrir o quanto somos queridos, de preferência sem eufemismos e ironias.



Obs: Querido, se você ainda não entendeu o que é ironia e Eufemismo, tem um resuminho no final para você!!!!!



IRONIA: é a figura pela qual dizemos o contrário do que pensamos, quase sempre com intenção sarcástica.  
Ex: Vejam meus altos feitos. ( roubei os bens do país)  
EUFEMISMO: consiste em suavizar a expressão de uma idéia molesta, substituindo em termo exato por palavras ou termos menos desagradáveis ou mais delicados.
 Ex: Rômulo foi desta para melhor. (morreu)  

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Por que, por quê, porque e porquê.



Renata da Silva Pinto


Existe palavra mais complicada na Língua Portuguesa do que a palavra porque?
Se você usar o corretor ortográfico do Word, verá que há um problema na primeira linha deste texto, onde? Na palavra porque é claro! Mas, fique tranquilo, pois ela está sendo usada corretamente. Não é só nessa sentença que encontramos problemas nos porquês, o uso dessa palavra traz problemas durante toda a nossa vida.
O problema se inicia quando somos crianças. Na mais tenra idade, vemos o mundo, e perguntamos: "Por que o céu é azul?" "Por que nasci da barriga da mamãe?" "Por que tenho que deixar a tia Marilsa apertar minha bochecha?" "Por que morremos?" Se é fácil para a criançada fazer tais perguntas, difícil é, para nós adultos, respondê-las, pois muitas são constrangedoras. A melhor e a mais conveniente resposta para todos esses porquês é: "Porque sim!"
Quando nos tornamos adolescentes, já não nos contentamos com a tal resposta: "Porque sim!". Queremos argumentos lógicos, explicações e aí começa a rebeldia. Nossos porquês são nossa verdade, e não aceitamos outra resposta, senão aquela que previamente já temos ou achamos ter.
Já adultos, não temos muito tempo e paciência para perguntar ou para responder. O corre-corre nos emburrece e endurece, aceitamos todas as respostas que nos dão, sem perguntar: "Por quê?," ou quando nos perguntam: “Por quê?”, desconversamos e pronto. “ Querido, por que chegou tão tarde do trabalho?” “ Porque estava tudo atrasado e tive que pôr a papelada em ordem” “Mas, por que tem batom na sua camisa?” “Porque...... ah, sabe aquele carro que você queria, acho que dá para comprar!”
Quando velhos, não perguntamos tanto, mas respondemos muito, temos sabedoria o suficiente para responder quase tudo. Para aquilo que não entendemos, fica a frase: “Porque no meu tempo....”
E chegamos ao fim da saga dos porquês, querendo saber por que morremos.
Você deve estar perguntando: “Por que iniciar um blog, com esse assunto?” A resposta é porque muitas vezes não damos valor para essa palavra e suas muitas formas, nos esquecemos de que é através dos porquês que nos tornamos quem somos, que desenvolvemos nosso senso crítico, que duvidamos, que argumentamos. Segundo a letra da música “somos quem podemos ser” dos Engenheiros do Hawaii: “Quem duvida da vida tem culpa/ Quem evita a dúvida também tem”, já que teremos problemas de qualquer forma, duvidemos e duvidar é perguntar “Por quê?”, mesmo que não saibamos qual grafia.
Para aqueles que entraram nessse blog apenas para tirar dúvidas quanto ao uso da palavra porque, e mesmo depois tantos exemplo do uso de por que, porque, porquê e por quê ainda não sabem usar a tal palavrinha, só me resta ensinar as regras:



Por que

Pode ser usado com o sentido de “por qual razão” ou “por qual motivo”, e trata-se da junção da preposição por + o pronome interrogativo que:

Exemplos: Não sei por que o povo não sabe escolher bem seus representantes.
Por que existem tantos políticos corruptos?

Ainda pode ser empregado quando se tratar da preposição por + pronome relativo que e, neste caso, será relativo à “pelo qual”, “pela qual”, “pelos quais”, “pelas quais” ou ainda “para que”:

Exemplos: O problema por que passamos todos os dias no Rio de Janeiro é a violência generalizada.
Por quê

O uso do por quê é equivalente ao “por que”, porém, é acentuado quando vier antes de um ponto, seja final, de interrogação ou exclamação:

Exemplos: Entender nossa política, por quê?
Por quê?
Porque

O termo porque é uma conjunção causal ou explicativa e o seu uso tem significado aproximado de “pois”, “já que”, “uma vez que” ou ainda indica finalidade e tem valor aproximado de “para que”, “a fim de”.

Exemplos: Vou votar porque o voto é obrigatório. (conjunção)
Não faça mal a ninguém porque não façam a você. (finalidade)
Porquê

Quando aparece nessa forma o porquê é um substantivo e denota o sentido de “causa”, “razão”, “motivo” e vem acompanhado de artigo, adjetivo ou numeral:



Exemplos: Diga-me o porquê da sua reclamação.
Tenho um porquê para ter reclamado: meu cartão bancário foi clonado.