terça-feira, 24 de novembro de 2009

O sentido figurado na música brasileira – o sublime e o bizarro.





Renata da Silva Pinto

Antigamente, lembro-me de ligar o rádio e aguardar ansiosamente aquela música que me fazia suspirar ou delirar. Na década de oitenta, muitos de nós esperávamos horas até tocar na rádio aquela música tão adorada para gravarmos no toca-fitas, e depois ficávamos indo e voltando a tão surrada fita k-7 para copiar a tal preciosidade. O “maneiro” era ser o primeiro na escola a saber cantar toda a letra dos novos sucessos, foi assim comigo, com Faroeste Caboclo.
Hoje, na era digital, copiamos centenas de músicas da net, depois entramos no site WWW.vagalume.com.br e pronto, com uns “cliquezinhos” temos milhares de músicas e suas letras gravadas no nosso PC. Mas, quantidade não é qualidade, temos que aprender separar o brilhante do medíocre. Às vezes gostamos de uma música e não sabemos o porquê, talvez, porque tenha um bom ritmo ou o refrão é legal, porém, gostar não é suficiente: Devemos entender o que estamos cantando!
Aproveitando a facilidade da era digital em ter acesso às letras de músicas, vou falar de algumas que foram sucesso no nosso Brasil. Uma coisa que me fascina quando analiso uma canção é a capacidade do compositor em utilizar o sentido conotativo. Tentar entender a mensagem por trás do sentido figurado é estimulante, assim como observar as figuras de linguagens existentes em cada verso.
Nada como uma boa metáfora para tornar algo sem-graça em fantástico.  Por exemplo, alguém pode dizer que está triste e que quer chorar após uma separação, isso é normal e banal, mas quando ouvimos alguém dizer: “Quando você foi embora, fez-se noite em meu viver/ forte eu sou, mas não tem jeito/ hoje tenho que chorar...”(Travessia, Milton Nascimento), algo nos faz despertar, e o blá-blá-blá de antes torna-se algo poético, bonito, plástico... Contudo, a metáfora também tem seu lado negro, muitos compositores a usam somente para fazer uma rima, isso muitas vezes faz com que a letra se torne algo absurdo, como é o caso de Morango do nordeste de Lairton e seus teclados, observe: “Apesar de colher as batatas da terra, com essa mulher, eu vou até pra guerra.”. Não entendi a referência batata/terra/guerra, mas o pior é que  parece que ele está chamando a mulher de canhão.
Outra figura muito interessante e muito utilizada na nossa música é a prosopopéia ou personificação. Na música De repente, Califórnia, de Lulu Santos, há um bom exemplo: “O vento beija meus cabelos/As ondas lambem minhas pernas/ O sol abraça o meu corpo/ Meu coração canta feliz...”. Sexy, não?  Outra prosopopéia belíssima é utilizada por Chico Buarque em Eu te amo: “Como, se na desordem do armário embutido/ Meu paletó enlaça o teu vestido/E o meu sapato inda pisa no teu...”. Mas, como tudo na vida, a prosopopéia pode ser ridícula às vezes, observe esse exemplo retirado na música O portão, de Roberto e Erasmo: “Eu cheguei em frente ao portão,/meu cachorro me sorriu latindo/ Minhas malas coloquei no chão,/eu voltei...”. (Muita gente teima dizendo que cachorro ri, não concordo. Mas, se você é dessa opinião, faça o seguinte teste: conte uma piada para seu cachorro, se ele rir, eu admito que estou errada). Outra prosopopéia estranha é da música Volta pra mim, do grupo Roupa Nova: “Amanheci sozinho/Na cama um vazio/Meu coração que se foi/Sem dizer se voltava depois/Sofrimento meu não vou agüentar...”. Será que o  cara morreu? Ou o coração dele foi tomar umas biritas e não deu satisfação a ele? Sei, lá... Bizarro.
Assim, como a metáfora, a comparação faz belas analogias, enriquecendo o conteúdo das composições. Listarei dois exemplos que acho interessantes: “Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol/ Quando você entrou em mim como um Sol no quintal...” (Divina Comédia Humana – Sumido Belchior). “Foi assim, como ver o mar/ A primeira vez que os meus olhos se viram no seu olhar...” (Todo azul do mar – 14 bis).  Agora, observe as comparações nesses dois exemplos e me diga se não são estranhas: “Virou minha cabeça/ E o coração/ Feito bola de sabão/ Me desmancho por você...”.(Bola de Sabão – Babado novo). “Que nem chiclete, que nem chiclete, que nem chiclete grudadinho em você/ que nem chiclete, que nem chiclete na sua boca derretendo de prazer...” (Que nem chiclete- Rick e Renner). Credo!
Para fechar esse tópico com chave de ouro, chegaram as Hipérboles, são incontáveis os exemplos de exagero na nossa música. Mas a música mais hiperbólica de todos os tempos é Exagerado, de cazuza. Em toda a letra há vários exemplos dessa figura:  “Amor da minha vida/ Daqui até a eternidade/ Nossos destinos foram traçados/ Na maternidade...”. “Eu nunca mais vou respirar/ Se você não me notar/ Eu posso até morrer de fome/ Se você não me amar...”. Outro bom exemplo de exagero é o do seguinte trecho da música Fico assim sem você, música de Adriana Calcanhoto, regravação de Claudinho e Buchecha: “Eu te quero a todo instante nem mil auto falantes/ vão poder falar por mim.”. Bonitinho, não é? Agora, como de costume, vamos à hipérbole bizarra: “Seu guarda eu não sou vagabundo eu não sou delinqüente/ Sou um cara carente/ Eu dormi na praça, pensando nela/ Seu guarda seja meu amigo me bata me prenda/ faça tudo comigo, mas não me deixe ficar sem ela.” (Dormi na praça – Rick e Renner). “Faça tudo comigo?”, o cara exagerou mesmo, está até assediando o guarda.
Da fita K-7 ao ipod, a nossa paixão pelas músicas transcendeu o tempo e se adequou às novas tecnologias. Músicas vão e vêm, e as figuras de linguagem sempre estarão presentes nos seus versos, o importante é termos a capacidade de compreendê-las, apreciando as geniais e se divertindo com as bizarras. Sem preconceito, afinal, gosto, cada um tem o seu.


Olha aí o famoso resuminho para você entender as figuras de linguagem usadas neste texto:




METÁFORA:  comparação mental ou característica comum entre dois seres ou fatos.  
_ O pavão é um arco- íris de plumas



PERSONIFICAÇÃO OU PROSOPOPÉIA: é a figura pela qual faremos seres inanimados ou irracionais agirem e sentirem como pessoas humanas.  
_ Os sinos chamam para o amor.  



COMPARAÇÂO: consiste em aproximar dois seres pela sua semelhança de modo que as características de uma sejam atribuídas a outro, utiliza-se de elementos comparativos (como, tal qual, igual a...).
 _ Lívia é linda como sua mãe.





HIPÉRBOLE: é uma afirmação exagerada. É uma deformação da verdade que visa a um efeito expressivo.  
_ Estava morto de sede.  



2 comentários:

  1. Belos textos. Altíssima qualidade. Não pare de fazer nunca!! Beijo

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  2. Oi amiga, adorei seu texto, muito divertido. Algumas letras apesar de vc "exagerar" eu entendo... kkkkk. Sabe que aprendi a gostar de MPB com você? Graças as fitas K 7 que você gravava pra mim.... beijos.... adorei ...

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